Foto: https://www.portaldaliteratura.com/
FRANCISCO JOSÉ VIEGAS
( Portugal )
Francisco José Pereira de Almeida Viegas GOM (Pocinho, Vila Nova de Foz Coa, Vila Nova de Foz Coa, 14 de março de 1962) é um jornalista, escritor e editor português.
Além do jornalismo, Francisco José Viegas ocupa um lugar entre os autores da literatura portuguesa de finais do século XX e inícios do século XXI, tendo publicado obras de poesia, romance, conto, uma peça de teatro e relatos de viagens. De resto, a sua obra está publicada noutros países, na Europa e na América Latina, Brasil, França, República Checa, Sérvia, Alemanha, Itália e Colômbia. O seu romance policial Longe de Manaus (2005) valeu-lhe o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, e A Luz de Pequim (2019) foi premiado com o Prémio Fernando Namora e com o Prémio Pen Clube de Narrativa. A sua série de romances policiais (iniciada com Crime em Ponta Delgada) consagrou o detective Jaime Ramos como investigador e personagem principal dos seus livros (desde Morte no Estádio, de 1991).
Grande-Oficial da Ordem do Mérito, a 10 de Junho de 2009.
Extrato de biografia: https://pt.wikipedia.org/
**
ALEGRIA, IMENSA ALEGRIA
Povoa-nos, alegria. Habita em nós como um barco ilumina o oceano,
como um cavalo na intensidade da planície deserta
levanta seus olhos até às hastes do plátano mais incandescente.
Constrói em nós a arquitetura da cidades do sul, o labirinto.
o oculto, a fome, a sede, a rapidez do nome, o seu despojamento
eterno, a água dos litorais, o Outono, a passagem das aves.
Povoa-nos, alegria imensa da alegria sem adorno, apenas
alegria sem deuses, nem a passagem, o sacrifício, as leis, os rios
do exílio, o êxodo, a sombra das cabanas, o sangue, a terra, o rosto
frio, os astros perdidos, os lábios secos, o coração do deserto.
Povoa-nos como a uma pátria de exilados, com a um corpo sem vestes
nem fragmentos, colheitas, transpiração, ardor, uníssono.
Habita em nós, alegria da vastidão, começa em nós onde o tempo
sobrevive. Povoa-nos, alegria, envolve-nos sofregamente, veloz.
*
SONETOS IRREGULARES SOBRE AS
COISAS COMUNS DE JANEIRO
2
Enquanto chove, miudinha e fria, a chuva de Janeiro,
seguro ao colo a minha filha. Ela olha vagamente a luz
esplêndida, arrebatada. Sente-se essa emoção, tão
pequena. O tempo passa e esquece, não o sente,
Adormecida e encostada ao peito, um sopro seria agora
uma ventania inútil enquanto digo versos em silêncio,
grato pelo milagre de a ver perfeita. É outra coisa comum,
esta perfeição — os olhos, as mãos, a boca, um leve
Perfume que, há de ficar na camisinha de flanela,
esvoaçando de Janeiro a Janeiro, afastando o medo
do Inverno (esse mal que vem entre as roseiras frias
e mais nuas do mês). Ninfinha há-de rir, assim a vejo
em sonhos, trêmula, a cabeça posando sobre a mão,
inclinada sobre a tarde, desajeitada e tão agora nascida.
*
BEAGLE, O NAVIO DE DARWIN
Os mares do sul são assim, cinzentos,
cobertos de espuma negra, reflexos da cinza
que vem das montanhas, escarpas que descem
sobre o mar, esverdeadas. Um aeroporto
deslocado sobre uma língua de terra e rocha.
O Beagle navegando por entre algas,
o jovem Charles Darwin à proa, no barco.
Os ventos da Antarctida, cabos estendidos
ao longo do cais, nuvens que cobrem os cumes,
ao longe. Tudo fica com ar de fantasma
ao fim da tarde: pára de chover, o vento
acabou de repente, acendem-se as luzes
dos navios, uma sensação sem estranheza
num mundo estranho. Terra incógnita.
*
***
VEJA e LEIA outros poetas de PORTUGAL em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/Iberoamerica/portugal/portugal.html
Página publicada em novembro de 2021
|